sexta-feira, 6 de julho de 2007

Capítulo 1: Os Dois Aparecidos

Capítulo I

Os Dois Aparecidos




Ao contrário do que seria esperado, dada a estação das chuvas, Brasília amanheceu no dia 24 de dezembro de 2006 com o céu completamente limpo; não havia sequer um fiapo de nuvem para testemunhar de cima a série de eventos que começariam a se desenrolar a partir da capital brasileira naquele dia.

Aparecido já tivera melhores dias em sua vida. Em anos passados conquistara a fama de administrador competente na esfera do quarto escalão do governo federal. Seus planos eram muito bem traçados; com o tempo este reconhecimento, acompanhado das articulações e amizades certas, acabaria por promovê-lo a secretário nacional adjunto de algum ministério, ou gerente de uma estatal importante. A partir daí os planos passariam para um novo estágio minuciosamente desenhado, que o colocaria na posição de braço direito de algum grandão da política brasileira.

O momento certo estava chegando no meio de 1998. A reeleição de Fernando Henrique Cardoso estava praticamente garantida. Mas como é natural, o topo da administração pública voltou a sua origem para disputar os cargos eletivos que lhes dão sustentação política; ou para mostrar serviço aos padrinhos. Assim, com a debandada da maioria dos ministros e grande parte dos secretários nacionais, tradicionalmente abre-se um portal de ascensão dos escalões inferiores para posições de maior destaque na função pública. Este período, porém, dura pouco tempo; e são muitos raros os casos de servidores que conseguem sustentar seus títulos interinos na formação do novo governo, mesmo que seja a continuação do anterior.

Era aquele instante que Aparecido aguardava com indisfarçável impaciência. Em abril ele mal falava com seus colegas, tamanha era a tensão. Mas no mês seguinte, em um final do expediente, acabou aceitando o convite para tomar um chopinho no Armazém do Ferreira. Afinal de contas, ninguém de ferro e o calor estava de lascar. E na mesa barulhenta, onde entravam e saíam conhecidos, mas sempre mantinha pelo menos seis amigos, a sua comanda aumentava rapidamente a quantidade de riscos em cima dos pinguinzinhos que contavam os chopes servidos. Naquele clima, não demorou para que o bate-papo chegasse nos prognósticos do que iria acontecer no ministério a partir das próximas semanas.

Aparecido, um pouco entorpecido pelo álcool que não estava acostumado consumir, tinha os olhos já a meio pau quando ouvia a conversa dos colegas. Seu tímido sorriso sem colocar os dentes à mostra transmitia de forma inequívoca a idéia de que ele possuía um segredo; uma sabedoria oculta, inacessível para os não iniciados. Mateus, sujeito escolado na arte de se dar bem nas cortes governistas, não perdeu a oportunidade. Quase ao mesmo tempo em que dava uma cotovelada em seu vizinho de cadeira para despertar-lhe a atenção, temporariamente abriu mão da arte de anos de desprezo à Aparecido, virou-se na direção dele e começou a entabular conversa sobre os cenários estratégicos da gestão pública federal nos próximos meses.

Em menos de dois minutos as atenções de todos eram direcionadas às palavras do sempre tão calado Aparecido. Este, por sua vez, ao se enxergar pela primeira vez na posição de centro das atenções da platéia, e com a ajuda de meia dúzia de chopes muito bem tirados, concluiu que havia chegado a hora em que a sua estrela mostrava os primeiros raios de brilho. Molhando a garganta em mais um copo que acabava de ser servido, começou orgulhosamente a dissertar sobre a sua interpretação pessoal da realidade do poder. E no calor da sua demonstração de sabedoria não pode deixar de confiar aos colegas seus planos e perspectivas pessoais, naqueles dias muito próximos de avançarem na direção planejada.

Na manhã seguinte, ao acordar em seu apartamento na Asa Sul do Plano Piloto, Aparecido guardava da noite anterior uma leve dor de cabeça, típica de quando se mistura a bebida alcoólica com cigarro. Nada que um banho gelado, uma aspirina e o café preto não rezolvesse. Mesmo assim, ao deixar o carro no caótico estacionamento dos anexos ministeriais, sua sensação física ainda não era das melhores. Mas tudo iria piorar.

Como acontece ciclicamente, uma onda de moralismo estava tomando conta dos gestores públicos. Nestes momentos, que normalmente não duram muitos meses, os relógios-ponto saem de seus esconderijos para novamente reinarem nas repartições. Isto já estava acontecendo há umas duas semanas. Assim, mesmo contrariados, todos estavam acostumados a pegar o cartão-ponto do armário a ele destinado o registrar a entrada e depois da saída, não excluindo, é claro, o intervalo para almoço. Ao pegar o cartão-ponto, Aparecido nem notou que antes de seu nome, alguém havia escrito a lápis a palavra "Ministro". Caminhando pelo corredor na direção de sua sala cruzou com Mateus, o companheiro da noitada anterior.

Ao cumprimentá-lo com um sonoro bom dia, que envolvia a idéia de uma certa cumplicidade, recebeu em troca um rosto virado para o outro lado, que continuava a conversa com um colega de trabalho mais graduado. Mateus voltava a ignorá-lo e isto não era nada bom. Seguindo o caminho rumo à mesa de trabalho, Aparecido ainda parou para pegar o tradicional cafezinho da térmica disponível na mesa que fica fora das salas. E foi assim que ele abriu a porta: na mão direita o pequeno e fumegante copo de plástico; e na esquerda a pasta 007 que raramente precisava ser aberta. Sua mesa era uma entre outras cinco de seus colegas. Mas ela estava diferente naquela lamentável manhã. Logo na frente estava colada uma folha de papel do tipo A4, onde em letras propositadamente disformes e com erros de grafia, como o erre ao contrário, lia-se "Ministro (des)Aparecido". O conjunto da gozação ainda incluía o cetro de cabo de esfregão e o sugestivo chapéu de palhaço enfeitado com as cores da bandeira nacional.

Naquele eterno instante, Aparecido se perdia em algum ponto entre a vontade de urrar e chorar e a tentativa de imaginar os danos que a noite anterior poderia ter causado a sua tão bem planejada carreira na administração pública. A esperança de que tudo não passasse de uma brincadeira sem maiores conseqüências foi por água abaixo ainda naquela manhã quando, no caminho da reprografia ele se viu observado pelo próprio ministro - que iria se afastar nas próximas semanas - acompanhado pelo assessor de imprensa que também o fitava, enquanto risonhamente cochichava algo ao pé do ouvido do chefe, na medida em que entravam no elevador. As sonoras gargalhadas que se seguiram ao fechamento das portas colocaram uma pá de cal nos planos mais próximos de Aparecido.

Dispensável dizer que na transição entre os dois governos de Fernando Henrique Cardoso, nosso amigo não conseguiu herdar nenhum cargo melhor. Profissionalmente ficou no ostracismo de uma divisão administrativa até o início de 2003, quando sua DAS foi retirada para ser destinada a uma garota que diziam, era próxima de importante assessor de José Dirceu.

As reservas financeiras foram suficientes para montar uma pequena loja de sucos e sanduíches numa quadra comercial do Lago Sul, em Brasília, administrada pela sua esposa e filha. No mais, ele buscava complementar o orçamento familiar através de um ou outro projeto vinculado ao PNUD, ou Banco Mundial.

Voltando, agora, à véspera de Natal de 2006, Aparecido esperava ansioso o táxi com 30% de desconto para sair de sua casa, rumo ao aeroporto. M
ais do que ansioso, ele estava, na verdade, quase em pânico. Afinal de contas, pela primeira vez, tinha dado uma enrolada na família para viajar exatamente nesta época do ano. Com o argumento de que o Banco Mundial lhe dera a incumbência de acompanhar o Natal Luz, em Gramado, na verdade ele estava indo mesmo ao Rio Grande do Sul, mas para Bento Gonçalves, cidade de Silvana, uma bela loira, descendente de italianos, com quase 1 m 80 cm, com busto, pernas e glúteos fartos, firmes e muito bem distribuídos.

Aparecido nunca havia se aventurado fora de casa desde o casamento com Cícera, morena muito bonita, do tipo mignon. Apesar de a união do casal ter ocorrido quase que por acordo entre as famílias dos dois, ele era realmente louco pela esposa; apesar dela freqüentemente ser um tanto quanto frígida nas horas de maior intimidade. Assim, naquela manhã de setembro, ao sair de casa depois de uma fracassada investida , chegou ao prédio do Corporate Financial Center, no Setor Comercial Norte de Brasília, para entregar pessoalmente no escritório do PNUD, relatório de acompanhamento de projeto. Estacionando o carro no subsolo, tomou a escada para entrar no térreo e seguir à torre de escritórios. No caminho, como era seu costume, parou para tomar café expresso com pão de queijo no balcão de uma lanchonete. Quando estava degustando a bebida, sem motivo algum olhou para a esquerda, onde ficavam algumas mesas do estabelecimento. A primeira cena observada foi uma mão acariciando uma linda coxa despida sob a mesa, que carinhosamente se misturava com dois pés vestindo meia carpim. Focando os olhos no rosto dos protagonistas daquela interessante cena, Aparecido se deparou com o rosto de Mateus, seu ex-colega do ministério e que lá continuava, segundo as últimas informações. De relance, ainda foi capaz de identificar que os enamorados olhavam para ele com ar de deboche. Mas o cruzar de olhares foram suficientes para que os dois se recompusessem, rapidamente virando o rosto para o outro lado.

Naquele instante os sentimentos se misturaram: fitar a cara do cretino que havia destruído sua tão planejada carreira, se divertindo com aquela gata, que não era a sua esposa, ao mesmo tempo em que ainda não se recuperara da costumeira negativa matinal de sua própria mulher... Tudo isto era demais para um momento . Visivelmente perturbado, Aparecido acabou saindo sem pagar a conta da lanchonete e foi direto para o elevador de acesso ao PNUD. Dentro do cubículo, estava com vontade quase irresistível de soltar um ilimitado urro e desatar a chorar. Este era um sentimento completamente estranho para ele, extremamente controlado em termos de emoções. Talvez fosse o momento de explodir finalmente, o que provavelmente não aconteceu pela intervenção da bela Silvana.

- O
senhor está passando bem?
S
em ver quem de dirigia a palavra, Aparecido respondeu um ríspido " tudo bem".

Mas
a gaúcha insistiu:

- D
esculpe-me por te ter feito a pergunta, mas o senhor está com a cabeça vermelha e suando. Isto pode ser perigoso. Acho melhor buscar atendimento médico.

Ao
virar o corpo para conferir a proprietária daquela doce voz, a vontade de explodir foi instantaneamente substituída por um frio na espinha, seguida de palidez. O inferno das ruas e da vida lhe levará a um momento no paraíso daquele elevador.

Silvana, uma mulher sensível, percebeu a alteração do rapaz que, conhecedora de si própria, sabia muito bem de seu poder de alterar estados de espírito. Foi logo dizendo:

- O
lha, eu acho que tu precisas de ajuda; alguém para conversar; desabafar. Pena que agora eu esteja super atrasada para uma reunião, porque adoraria o bater papo contigo; te conhecer melhor. Mas vamos fazer assim: pegue meu cartão e me ligue quando sentir vontade. Se eu não puder atender, te retorno quando for possível.

Sem dizer uma palavra, Aparecido aceitou o cartão e automaticamente ofereceu o seu próprio, onde constava o telefone celular e o residencial. Quando caiu em si, Silvana não estava mais elevador, que por sinal retornara ao térreo. A injeção de ânimo daquele encontro o fez pressionar, com uma confiança que desconhecia, o botão do sétimo andar, local do escritório do PNUD.

Além
de entregar seu relatório de atividades, uma súbita inspiração o fez ir mais longe do que o costume. Dissertou habilmente sobre os avanços em relação ao mês passado e propôs aperfeiçoamentos na metodologia de pesquisa, que, em parte, foram efetivamente adotados pelo organismo internacional. A vida começava a adquirir um novo colorido; e a cor era loira.

Mal saiu do estacionamento, pegou o celular e sem saber o que dizer telefonou para a nova amiga; ou nova amante; ou quem sabe próxima esposa. Com palpitações, foi com certo alivio que a operadora ofereceu a caixa postal para mensagens. Com voz discreta deixou nome e reiterou os telefones de contato. Sua verdadeira vontade era levá-la para algum hotel nas proximidades da Candangolândia. Mas isso era assunto para se falar pessoalmente, caso a timidez não fosse mais forte, é claro.

Nunca as horas demoraram tanto para passar. Na medida em que o celular não tocava, o entusiasmo de Aparecido se esvaia. Seu desligamento do cotidiano foi tal, que o eterno detalhista nem percebeu o comportamento incomum de Cícera em passar longos minutos sussurrando ao telefone. Dois dias após o encontro no elevador, finalmente o código de área 54 no visor do celular trazia a tão esperada ligação. Rapidamente ele olhou redor e viu a esposa compenetrada no computador, onde a filha a ensinava o uso dos recursos básicos do MSN. Cibelle bem que achou um pouco estranho pedido da mãe, normalmente hostil às horas que ela própria passava na Internet. Mesmo assim assumiu de bom grado a posição de professora.

Observando a cena enquanto o celular tocava, Aparecido decidiu atender à ligação na antiga dependência de empregada, que acabou sendo destinada para a despensa da casa, mas acabou virando um porta tranqueiras. Ao abrir o flip do aparelho, nem teve tempo de falar o seu tradicional "pois não", pois a meiga voz de Silvana tomou conta de seus sentidos.

- Oi Aparecido
. Me desculpe não ter te ligado antes. É que a bateria do meu aparelho acabou um pouco depois de falarmos em Brasília e eu tinha esquecido o carregador aqui em casa. Mas eu adorei que tu ligasse. Eu sei que sou meio metida, mas tu aparentava estar muito mal no elevador. Não, não. Vou ser franca contigo. Te achei um gato e não resisti em puxar papo.

Aquela revelação da loira era muito mais do que Aparecido havia imaginado em sonhar. Após um breve suspiro, fez voz de galã e desabafou todas as suas vontades a serem realizadas. Silvana, compreendendo a mistura de carência e ansiedade do rapaz pôs-se a ouvir, e vez por outra soltava um leve gracejo que redobrava as investidas.

Quando o afã de Aparecido arrefeceu, Silvana habilmente mudou o foco da conversa.

- S
abe querido, foi um horror minha viagem de volta para Bento Gonçalves. O vôo de Brasília para São Paulo atrasou mais de 3 horas e eu acabei perdendo a conexão para Porto Alegre. No início pensei que era algum tipo de superlotação por causa do segundo turno das eleições; mas em Guarulhos fiquei sabendo de uma operação padrão dos controladores de tráfego aéreo, que não gostaram nada de serem os culpados da vez do acidente do avião da Gol com o jato da Embraer. E para piorar, tive que agüentar, junto com o desconforto das poltronas da sala de embarque, as piadas infames sobre o desastre, de um grupo que estava próximo. Me lembro de duas: a primeira era sobre a diretoria do Corinthians indo até São José dos Campos para comprar um avião Leggacy, com o objetivo de finalmente conseguir acertar o gol; e a segunda era a idéia de uma campanha publicitária da Embraer convencendo os clientes a comprarem suas aeronaves, por meio do argumento de que eles estariam derrubando a concorrência. Que coisa mais babaca, né?

Enquanto Silvana continuava a falar, ecoava incessantemente na cabeça de Aparecido suas duas primeiras palavras: "Sabe querido". Era como se aquilo sacramentasse uma união estável. Estavam os dois comentando relaxadamente o dia-a-dia da vida. Depois de conversar por mais alguns minutos, a gaúcha novamente mudava docemente o assunto.

-
Aparecido, você é casado?

Diante desta pergunta, ele nem pensou em contar mentiras. Foi logo falando de sua relação com Cícera, e as frustrações dos últimos tempos, não só no que se refere às relações com a esposa, mas também em termos de trabalho e as traições experimentadas nos tempos do ministério.

A moça nesta e nas outras ligações ouviu tudo com paciência e doçura. Mas sempre se demorava mais em conversar a respeito de Cícera. Do que ela gostava, o que a entusiasmava, enfim: queria saber tudo sobre a intimidade do casal, falando de seus próprios anseios a partir da esperada concretização de seu lugar na vida de Aparecido.

E assim passaram-se quase dois meses. Aparecido com suas longas e insuspeitas conversas telefônicas no que um dia tinha sido o quarto da empregada; enquanto Cícera ficava cada vez mais absorta nos bate-papos do tal msn. Com o tempo os dois pararam de se importar com o mistério alheio, sendo que um outro tipo de relação começou a surgir entre eles, esquentando as noites. A costumeira afirmação da paixão começava a ceder terreno para a busca mais sincera do prazer e da amizade.

Na entrada da quadra chegava uma Parati quase caindo aos pedaços. Era o táxi solicitado por Aparecido. Ao ouvir a ordem de ir para o aeroporto, o motorista prontamente colocou o taxímetro na bandeira dois e seguiu o caminho. Naquela manhã ensolarada o movimento de carros era fraco, como é próprio de todos os domingos, ainda mais na véspera de Natal. O veículo, sem ar-condicionado, estava com os vidros abertos e a brisa morna prometia um dia tórrido fora de época em Brasília. No caminho ao Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, mais exatamente perto do entroncamento de acesso ao Guará, os olhos do passageiro casualmente focalizaram a figura de um daqueles papeleiros que vagam pela vida afora, arrastando sua carroça de tração humana. A leve curiosidade despertada pela cena não foi suficiente para fazer com que Aparecido se virasse para trás a fim de observar melhor a figura pela qual ele passava. Cinco minutos mais tarde, o táxi estacionava no terminal de embarque.

Com uma mistura de ansiedade, medo, culpa, excitação e insegurança, nosso herói se deparou com filas enormes e uma bagunça que nunca vira no aeroporto. Foi consultar o terminal de partidas e verificou que a maioria dos vôos, inclusive o seu próprio, estavam atrasados. Junto com outras centenas de passageiros, dirigiu-se ao balcão da companhia aérea para saber o porquê da situação e a perspectiva de embarque. O atendente de plantão, com toda a precisão, afirmou que a previsão de saída do vôo para Porto Alegre estava entre meia hora e 8 horas, caso o mesmo não fosse cancelado.

Diante da notícia, causada pela operação padrão dos controladores de tráfego e por boatos de que as companhias aéreas estariam se aproveitando da situação para cancelar vôos de baixa lotação, Aparecido prontamente ligou para Silvana a fim de dizer que seria difícil chegar naquela tarde, conforme o previsto. Mas o celular da loira estava desligado e desta vez sem alternativa para deixar mensagem. Renovou as tentativas de contato a cada cinco ou dez minutos durante 2 horas, parte na fila de check-in, parte em uma cafeteira da praça de alimentação, no andar acima do terminal de embarque.


Depois desse tempo voltou ao balcão da companhia aérea para saber do posicionamento das aeronaves. Mais 45 minutos de espera e recebeu, novamente, a previsão de seu embarque...entre meia hora e 8 horas, caso o vôo não fosse cancelado. Mais um par de horas de espera e chegou a conclusão de que Silvana devia estar sabendo do atraso e desistido de esperá-lo no aeroporto Salgado Filho. Quase que ao mesmo tempo, pela primeira vez, questionou-se sobre o que ele estava fazendo no meio daquela situação. Nunca havia verdadeiramente traído a mulher, e a relação entre os dois tinha melhorado muito nas últimas semanas. Silvana, sem dúvida valia a pena, mas o destino aparentemente adiava o enlace entre os dois para um futuro indefinido, e isto se tudo não ficasse restrito apenas à imaginação. Tentou o celular pela última vez que ouviu, a caminho da fila do táxi, a decorada mensagem de telefone desligado ou fora da área de serviço.

Não sem um certo alívio, Aparecido provou a si mesmo sua macheza. O fato de não ter ido com Silvana havia sido um capricho do destino. Completamente em paz consigo,pensava agora em chegar em casa e tirar uma casquinha da patroa. Assim, com um sorriso escondido entre os lábios fechados, abriu o vidro do táxi – este tinha ar-condicionado - e deixou o cartão de embarque voar janela afora. Acompanhando as piruetas de papel viu que o mesmo acabou se chocando com a testa do papeleiro que havia avistado horas mais cedo, e que agora estava nas cercanias do aeroporto. Em vez de ficar constrangido com o pequeno acidente, apenas pensou que pobre era pobre por ser preguiçoso. Em quase 6 horas aquele pobre coitado foi incapaz de percorrer os poucos quilômetros entre o acesso do Guará e o aeroporto de Brasília.

Chegando no seu edifício, Aparecido foi direto para a garagem a fim de verificar se o seu carro estava estacionado. No caso de a vaga estar vazia seria praticamente certo que Cibelle - mesmo ainda menor de idade - havia se adonado do automóvel para um passeio até o dia seguinte com seu namorado, recém aprovado na escola para diplomatas do Itamaraty. Ao invés do esperado, encontrou uma bela Pajero Full parada na vaga. Provavelmente deveria ser o carro de um amigo de algum vizinho que tinha parado rapidamente. Nada para se estressar, especialmente porque o espaço estava livre para ele e Cícera. Ao ir para o elevador chegou a reparar na placa da Pajero identificando-a como de Bento Gonçalves. Estranha coincidência; talvez mais um recado do destino indicando uma vida que poderia estar voltando à normalidade de antes.

Abriu a porta do apartamento no maior silêncio possível, sabendo do hábito da esposa em dormir à tarde nos domingos. Despiu-se na sala, ouvindo a respiração de Cícera que estava mais sonora do que o normal. Ao entrar no quarto, cuja porta estava entreaberta, ficou como que congelado: Cícera dormia totalmente nua aconchegada no corpo igualmente nu de Silvana.

Abriu a porta do apartamento no maior silêncio possível, sabendo do hábito da esposa em dormir à tarde nos domingos. Mas ao invés do esperado, ouviu a voz de Cícera conversando animadamente com alguém na sala. Meio irritado com a visita indesejada caminhou alguns passos adentro e subitamente congelou. A visitante era Silvana. E as duas, quase em conjunto, levantaram as taças em que degustavam um espumante, brindando a sua chegada.

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